sábado, 26 de dezembro de 2009

Fidelidade e traição entre cães e seres humanos.

Aproximação que começou há 15 mil anos foi motivada por orfandade de filhotes, acolhidos por fêmeas humanas. Em São Paulo, cães de rua têm longa história de sofrimento, mutilação e morte
por Nelson Aprobato Filho
© T-SERVICE/SPL/Latinstock
A mulher e seu cão (em imagem termográfica): em todas as culturas humanas, há um padrão de relacionamento com os cães
Tudo começou há 15 mil anos, no Paleolítico Superior, com a primeira divisão de trabalho entre os sexos da espécie humana. Os homens caçavam e garantiam a segurança do grupo. As mulheres, com vida mais sedentária, coletavam alimentos e cuidavam dos filhos. Foi neste contexto que se iniciaram as relações entre humanos e canídeos. Pesquisas na área de zooarqueologia e antropologia sugerem que foram as mulheres que forjaram a aproximação entre as duas espécies, e as responsáveis pelo primeiro impulso de domesticação e convivência harmoniosa entre humanos e os ancestrais dos cães domésticos de hoje, os lobos selvagens.

Baseada em consistente bibliografia, a pesquisadora Mary Elizabeth Thurston, no livro The lost history of the canine race, uma elegante síntese sobre o tema, aponta que os primeiros contatos se deram de forma prosaica, mas admirável: a adoção. Matilhas de lobos sempre ameaçaram populações humanas. E os homens, determinados a se defender de ataques, eliminavam os animais adultos que rondavam os entornos de suas habitações. Ao abater os adultos, no entanto, inúmeros filhotes ficavam órfãos, entregues a um meio hostil, com chances mínimas de sobrevivência. Atraídos principalmente pelos odores produzidos pelas atividades humanas, os filhotes acabavam se aproximando. E as mulheres, em vez de simplesmente darem a eles restos de alimentos, amamentavam-nos com o mesmo leite dispensado aos filhos. Essa aproximação fez com que filhotes se integrassem ao grupo, na qualidade de recém-chegados e se ambientassem ao convívio humano. A pesquisadora aponta que evidências dessa teoria foram encontradas a partir do século 19, entre povos indígenas em várias partes do mundo. Elas comprovariam a maneira como cães e humanos se aproximaram para consolidar uma relação que, agora, faz desse animal o melhor amigo do homem.

Quando iniciei a elaboração deste artigo deparei-me com um livro que, a meu ver, é uma sugestiva leitura para todos aqueles que trabalham ou apenas se interessam por animais. Trata-se de Cool cats, top dogs, and other beastly expressions, escrito pela especialista em dicionários Christine Ammer. São mais de 1.200 palavras, provérbios e expressões da língua inglesa relacionadas a animais, ou melhor, criadas através dos tempos a partir das relações entre humanos e outras espécies animais que os cercam.

O que torna o livro ainda mais fascinante é perceber, com a ajuda dele, que muitas das palavras, provérbios e expressões em inglês têm correspondência, por exemplo, em português. Trata-se, obviamente, de um processo de universalização de ideias, conceitos e, principalmente, comportamentos humanos. A contribuição mais importante da autora, nesse caso, é a dimensão histórica, ou etimológica, que procurou dar a cada item incluído no livro. Neste sentido, vale destacar aqui a frase com a que Christine Ammer intitula o capítulo específico sobre o universo sociocultural criado em torno do cão. Provocativamente, ela chamou o capítulo de “A dog’s life”, “uma vida de cachorro”, ou “uma vida de cão” expressão conhecida e largamente utilizada no Brasil e em muitas outras partes do mundo.

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